domingo, 24 de maio de 2009

Pediatras defendem ampliação do ensino infantil como forma de combater a criminalidade

A equação já foi resolvida por economistas e especialistas em educação. Investir no ensino de qualidade voltado a crianças de até 6 anos resulta em melhorias que vão do incremento da renda à queda da criminalidade. Apesar das evidências, porém, somente 17% dos brasileirinhos dessa faixa etária têm acesso à escola. O dado preocupa a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), que lançou uma campanha pela ampliação da oferta. A ideia é mobilizar o país pela aprovação do projeto de lei apresentado pela senadora Patrícia Saboya (PDT-CE), que cria o Programa Nacional de Educação Infantil para a Expansão da Rede Física (Pronei). O texto será votado pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado nesta terça-feira (26/05) e deve receber parecer favorável do relator, Gim Argello (PTB-DF). Depois, segue para as comissões de Assuntos Sociais e de Educação, com caráter terminativo. Ou seja, caso aprovado, o projeto não precisa passar pelo Plenário, e vai direto para a Câmara. O objetivo do Pronei, que tem a simpatia do ministro da Educação, Fernando Haddad, é ampliar as unidades de educação infantil, priorizando as comunidades de baixa renda, e ofertar o ensino gratuito em tempo integral.De acordo com o projeto, o programa será financiado pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento e de Valorização dos Profissionais de Educação Básica (Fundeb) e por recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que seriam utilizados para construção, reforma e aquisição de equipamentos. “Está comprovado cientificamente que crianças que frequentam creches têm melhor desenvolvimento e melhor desempenho intelectual nas fases seguintes da vida escolar”, justifica Patrícia Saboya.O presidente da SBP, Dioclécio Campos Jr., afirma que as prefeituras não poderão alegar falta de recursos. “O Estado vai financiar o programa, e outro aspecto interessante do projeto é que ele abre o financiamento para entidades da sociedade privada. A educação infantil não é responsabilidade só do governo, mas de todos”, diz. O pediatra lembra que diversos estudos comprovam que o investimento na educação infantil traz retornos garantidos ao país. O Nobel de Economia de 2000, James Heckman, constatou, por exemplo, que, para cada dólar investido nessa etapa do ensino, há um retorno de US$ 17 para a sociedade.ImpactosOs estudos de Heckman, que já apresentou diversas pesquisas no Brasil, incluindo uma realizada com o economista brasileiro Flávio Cunha, da Fundação Getulio Vargas, apontam os impactos da educação infantil em vários setores. Um de seus trabalhos de maior repercussão foi realizado em Illinois, nos Estados Unidos, onde o especialista acompanhou dois grupos pertencentes a comunidades carentes, em áreas de risco social. Sessenta e seis por cento dos adultos que haviam frequentado a pré-escola concluíram o ensino médio no tempo correto, contra 45% daqueles que não tiveram a mesma oportunidade. Esses últimos mostraram-se mais dependentes de programas sociais e ganhavam bem menos que os primeiros (veja quadro nesta página).Outra evidência apontada por Heckman é que pessoas pertencentes à mesma classe e realidade social que passaram por programas de educação infantil desenvolvem mais o coeficiente de inteligência (Q.I.). O presidente da SBP explica que isso se deve ao fato de que é até os 6 anos que as estruturas cerebrais se formam assim como a personalidade. O ápice do desenvolvimento do cérebro acontece aos 3 anos, quando a atividade dos neurônios está mais intensa e veloz. “A primeira infância é insubstituível, por isso temos de dar condições plenas às crianças de desenvolver todas as potencialidades que têm quando nascem”, defende Dioclécio Campos Jr. Além disso, ele lembra que é nessa fase da vida que o organismo torna-se resistente.Para ele, porém, o Brasil ainda não descobriu o valor das crianças. “A criança não vale nada no país, do ponto de vista econômico”, critica. O pediatra alerta que, se o cenário não se modificar rapidamente, a economia vai ficar cada vez mais para trás. “Na sociedade pós-industrial, a geração de riqueza não é mais a da linha de montagem, mas a da produção de conhecimento. Por isso, além da fonte de energia renovável, de que tanto se fala, temos que investir na fonte de inteligência renovável, que é a criança.”Projetos pedagógicosA pedagoga Aureliza Martins, especialista em educação infantil, lembra que é essencial investir na expansão de creches e pré-escolas, mas com acompanhamento da qualidade. “Somente aumentar o número de estabelecimentos é insuficiente. Veja o que ocorreu com o ensino fundamental: está praticamente universalizado, mas a qualidade deixa muito a desejar. É preciso ter em mente que a creche não é um depósito de crianças. As redes precisam preparar projetos pedagógicos para estimular o desenvolvimento sadio dos alunos”, diz.Sem conseguir uma vaga na creche pública para a filha de 2 anos, a dona de casa Nívia Moreira da Silva, 29, teve de parar de trabalhar. Próximo à rua onde mora, no P Norte, Ceilândia, há diversas creches particulares que cobram pequenas mensalidades, mas Nívia desconfia da qualidade. “Tem muito lugar por aí, mas não vou colocar minha filha em qualquer coisa. A gente não sabe nem se essas escolas têm permissão para funcionar”, conta. Para ela, matricular Juciléia na rede pública significaria um reforço de 50% no orçamento familiar. O marido, auxiliar de pedreiro, ganha R$ 500 por mês. Era o valor que ela recebia, antes de a filha nascer, como doméstica. “Eu já tive várias ofertas de emprego, muitas ex-patroas vêm me procurar para eu voltar, mas não tem como”, lamenta. Nívia sonha comprar um lote na Candangolândia, onde mora a cunhada. “Lá tem escola. A minha sobrinha conseguiu vaga”, diz.

Paloma Oliveto
Correio Braziliense

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